12.º Festival Porta-Jazz
2022
A Associação Porta-Jazz é uma associação de músicos que nasceu da necessidade de criar um polo de apoio e desenvolvimento aos inúmeros projectos de músicos do Porto. Ao longo de mais de doze anos a Porta-Jazz promoveu concertos, estabeleceu parcerias, e editou oito dezenas de discos. O Festival Porta-Jazz, que já vai na 12ª edição é o espelho da vitalidade dos músicos do Norte e da diversidade da sua música.
Programado para os dias 4 a 6 de Fevereiro, em diferentes salas do carismático Rivoli, o festival contou com 14 concertos, tendo as previstas jam sessions sido canceladas por razões que se terão prendido com a pandemia. Por motivos de ordem pessoal apenas pude assistir aos concertos de sexta e sábado.
Manuel Linhares «Suspenso»
O festival arrancou com a apresentação da mais recente edição da Carimbo – a etiqueta da Porta Jazz -, «Suspenso» de Manuel Linhares. Linhares não encantou. A sua voz, arrastada, parece diluir-se no som da banda, que claramente não faz ideia do que significa acompanhar um cantor; mas ele não parece capaz de insuflar nas palavras a emoção necessária. A debilidade dos poemas não ajuda, mas a sua hesitação entre o modelo do crooner e o poeta-cantor retira-lhe convicção. Esta hesitação evidencia-se na forma como por vezes atropela as palavras, na métrica, e as letras complicam, exigindo-lhe que estenda vocalises a despropósito ou que precipite frases, sem que Linhares logre resolver de forma assertiva.
Diria que Manuel Linhares ainda não logrou encontrar o seu espaço, que a voz até lhe autorizaria, e o primeiro tema, à frente do Coreto (mérito da banda, que o disco confirma), até parecia prenunciar um bom concerto. As intervenções de António Loureiro nas teclas foram sempre irrelevantes.
Coreto «A Tribo»
O segundo concerto da noite foi outra coisa. O Coreto apresentava «A Tribo», numa longa suite que confirmou a inteligência da escrita de João Pedro Brandão, mas de igual forma o elevado nível dos músicos que o compõem. Algo prejudicado pelo som da sala, que obstruiu o recorte dos instrumentos, quase impedindo a audição de alguns instrumentos (a guitarra, ou os trombones, o que se tornou gritante nos solos do segundo tema), e a opção de colocar o som no palco e não no meio da sala (mais alto, por favor: é uma orquestra!); mas ainda assim foi fácil para o Coreto convencer a plateia.
Como escrevi na antecipação do concerto, a partir da audição do disco, João Pedro Brandão revela uma erudição invulgar, que o autoriza a invocar Duke Ellington, Igor Stravinsky ou Maria Schneider, com a naturalidade da respiração. Os temas, e os solos (a destacar, no Rivoli: Brandão, Marrucho, Ciríaco, Coelho, Raro, Barbosa e Rui Teixeira), surgem sempre com uma evidência desarmante, transmitindo com eficácia a poesia dos temas. Nada menos que excelente!
Vera Morais e Hristo Goleminov
O segundo dia começou na (desconfortável) sala do Palco GA do Rivoli, com o duo – voz e saxofone - de Vera Morais e Hristo Goleminov interpretando a poesia de William Carlos Williams. O modelo até será relativamente vulgar: poesia declamada/ cantada, acompanhada de um instrumento musical; e Goleminov – ele que é um saxofonista notável – nunca ultrapassou a vulgaridade; mas Vera Morais foi uma surpresa.
Navegando em áreas que remetem para as explorações vocais de uma Meredith Monk ou Gretchen Parlato, Vera Morais revelou-se confortável nas engenhosas verbalizações da poesia, nas acentuações, repetições, nas inflexões da dicção, nos artifícios que a voz e essa poesia lhe exigiram e autorizaram.
Ensemble Robalo/ Porta-Jazz
O concerto seguinte (num espaço ainda mais desconfortável) reuniu músicos da Porta-Jazz e da Robalo lisboeta, num projecto supostamente vanguardista.
Com temas compostos por todos os membros do ensemble para aquela formação, o resultado revelou-se incipiente e sensaborão. O problema reside, a meu ver, nos objectivos do projecto, que sobrevalorizam a própria exploração em detrimento da música. A necessidade de fazer diferente e alguma insciência musical - impele os jovens músicos para mares supostamente não navegados, levando-os a rejeitar tudo o que lhes pareça mais consoante ou melódico. Da mesma forma, a sobrevaloração da experimentação leva-os a enjeitar o virtuosismo instrumental, e a fazer dos limites instrumentais discurso, sem lobrigar a inópia dos resultados; o que é evidente nas vocalizações vulgares de Arnault, mas cujos males se estendem à banda. Diria que o ensemble padeceu dos males da adolescência. Um longo tédio.
Joana Raquel e Miguel Meirinhos «Ninhos»
Depois de um curto intervalo o festival prosseguiu no Pequeno Auditório do Rivoli, e a apresentação do CD de «Ninhos» de Joana Raquel e Miguel Meirinhos.
Claramente um disco prematuro, o trabalho de Raquel – Meirinhos revelou-se pobre na voz, nas composições e nas interpretações, e Cabaud e Cardita nada acrescentaram. Uma típica primeira obra e muito trabalho a fazer.
Puzzle 3 «D»
Ainda no Pequeno Auditório tocou o Puzzle 3, um trio clássico de piano com algumas pretensões modernistas do tipo EST. Concerto bem humorado, em grande medida pelas apresentações do madeirense João Paulo Rosado, com um contrabaixo a revelar solidez em palco, e uma música elegante e fluida, mas sem história.
Demian Cabaud «Otro Cielo»
Depois do jantar a música recomeçou, agora no Grande Auditório, com o quinteto de Demian Cabaud, que tocou «Otro Cielo» de 2021. Música poderosa, angulosa, como é a música do contrabaixista argentino radicado na cidade do Porto, «Outro Cielo» roça a concepção do Jazz New Thing dos anos 60, sem quaisquer concessões. «Outro Cileo inspira-se na diáspora, nas diásporas, nos sonhos (“Suenos”) e nas visões (“Visiones”) dos palestinos (“Palestina”) ou dos indígenas dos Andes (“Wayra tata”), nas canções populares que são o argumento das suas composições. Uma banda de irredutíveis: João Pedro Brandão e José Pedro Coelho na frente de saxofones, João Grilo no piano e Marcos Cavaleiro em noite inspirada.
Hugo Raro «Sombras da Imperfeição»
O último concerto da segunda noite levou ao Tivoli o concerto «carta branca» que Hugo Raro levou ao Guimarães Jazz de 2020: «Sombras da Imperfeição».
Tipicamente estes concertos combinam de forma atípica outras formas artísticas à música; não necessariamente Jazz. No caso de Hugo Raro, o espectáculo combinou as composições do pianista com a pintura em tempo real em telas plásticas transparentes projectando sombras e formas.
O espectáculo terá funcionado um pouco melhor na Black Box do Museu José de Guimarães, devido às suas características mais intimistas e negras, mas Jas (o artista plástico) logrou, ainda assim, obter efeitos interessantes nas paredes e tecto da sala. A música e a pintura condicionam-se mutuamente para o espectáculo, com a formação instrumental incomum, de piano, guitarra portuguesa, clarinete baixo e percussões, a demonstrar-se acertada. Um bom encerramento para o segundo dia do 12.º Festival Porta-Jazz.
O festival continuou no domingo mas eu, infelizmente, já não estava lá.
Antecipação
O Festival Porta-Jazz começa na sexta feira (4) à noite com a apresentação do novo disco de Manuel Linhares, «Suspenso». Voz, poesia e composições de Linhares, para a produção do multi-instrumentista António Loureiro.
Segue-se o concerto do Coreto Porta-Jazz, que irá tocar «A Tribo», um dos grandes discos do ano passado; um verdadeiro épico. Composições de João Pedro Brandão: a mestria, elegância e a modernidade da arte composicional de Duke Ellington, John Hollenbeck, Maria Schneider e Stravinsky e a crème de la crème dos improvisadores portugueses em 50' de música.
O festival prossegue no sábado (5) à tarde com os jovens Vera Morais e Hristo Goleminov; um duo de voz e saxofone;a que se segue o Ensemble Robalo/ Porta-Jazz, uma colaboração de músicos de Lisboa e Porto, que irão prosseguir a experiência de anos anteriores.
Seguem-se Joana Raquel e Miguel Meirinhos que irão apresentar «Ninhos», num quarteto que contará ainda com Demian Cabaud e João Cardita.
A tarde de sábado completa-se com o trio Puzzle 3, que irá tocar «D» de 2021. Um trio de piano clássico irreverente.
Depois do jantar, a noite começa com o quinteto de Demian Cabaud com uma frente de dois saxofones e uma secção rítmica única. Composições do contrabaixista: «Outro Cielo», outro excelente disco de 2021; a que se segue o concerto multidisciplinar «Sombras da Imperfeição» de Hugo Raro, apresentado no Guimarães Jazz de 2020. Música e pintura em tempo real.
O festival retoma no domingo (6) à tarde com a resultante da Residência AMR/Porta-Jazz, uma parceria da Porta Jazz com a associação de músicos suiça AMR.
Segue-se o trio luso-galego-gaulês Wiz (José Pedro Coelho, Wilfried Wilde e Iago Fernández), um ecléctico ensemble de bateria, guitarra e saxofone, que editou o primeiro disco em 2021.
O senhor que se segue dá pelo nome de Daniel Sousa, e é um jovem músico a viver em Copenhaga, a quem foi solicitada uma encomenda que irá apresentar no Rivoli, liderando um septeto atípico, de vozes, saxofone, secção rítmica e sintetizadores.
Um dos contrabaixistas mais solicitados no norte, Miguel Ângelo, encerra a tarde com a apresentação da «Dança dos Desastrados», editado em 2021.
O baterista austríaco Alfred Vogel é o líder da formação que abre a noite de domingo. Um quinteto de violino, piano, contrabaixo e duas baterias.
E o 12.º Festival Porta-Jazz encerra com o grupo de António Loureiro, um sexteto com João Mortágua, Gil Silva, André Fernandes, José Carlos Barbosa e Diogo Alexandre. Encerra, ou talvez não, porque a noite continuará com a jam session, esta terceira noite alimentada pelo Ensemble ESMAE.
Catorze concertos, residências, jam sessions, estreias, intercâmbios, uma verdadeira festa do Jazz no Rivoli!
Programação/
Produção/ Organização:
Porta-Jazz
12.º Festival Porta-Jazz
Fevereiro
2022
Sex 4 |
Porto |
Rivoli (GA) |
21.30 |
Manuel Linhares «Suspenso» |
Manuel Linhares (voz, c), Paulo Barros (p), José Carlos Barbosa (ctb), João Cunha (bat) + António Loureiro (tec) |
Coreto |
João Pedro Brandão (sa, f), José Pedro Coelho (st), Hugo Ciríaco (st), Rui Teixeira (sb), Ricardo Formoso (t, flis), Gonçalo Marques (t), Daniel Dias (trb, voz), Andreia Santos (trb), AP (g), Hugo Raro (p), José Carlos Barbosa (ctb), José Marrucho (bat) | ||||
Sáb 5 |
Porto |
Rivoli (GA) |
16.00 |
Vera Morais & Hristo Goleminov | Vera Morais (voz), Hristo Goleminov (s) |
Ensemble Robalo/ Porta-Jazz | Leonor Arnaut (voz), João Almeida (t), Eurico Costa (g-el, elec), Nuno Trocado (g-el), elec), João Fragoso (ctb), Gonçalo Ribeiro (bat) | ||||
Rivoli (PA) |
18.15 |
Joana Raquel e Miguel Meirinhos «Ninhos» |
Joana Raquel (voz, c), Miguel Meirinhos (p, c), Demian Cabaud (ctb), João Cardita (bat) | ||
Puzzle 3 «D» |
Pedro Neves (p), João Paulo Rosado (ctb), Miguel Sampaio (bat) | ||||
Rivoli (GA) |
21.30 |
Demian Cabaud «Otro Cielo» |
João Pedro Brandão (sa, f), José Pedro Coelho (st. clb), João Grilo (p), Demian Cabaud (ctb), Marcos Cavaleiro (bat) | ||
Hugo Raro «Sombras da Imperfeição» |
Hugo Raro (p, c), Miguel Amaral (g-pt), Rui Teixeira (clb), Miguel Sampaio (bat, per), Jas (pintura em tempo real, cenários), Mariana Figueroa (desenho de luz) | ||||
Dom 6 |
Porto |
Rivoli (GA) |
16.00 |
Residência AMR/ Porta-Jazz | Afonso Silva (s), Eloi Calame (cl, s), Hugo Ferreira (g), Pierre Bald (ctb), João Pedro Almeida (bat) |
Wiz | José Pedro Coelho (s, c), Wilfried Wilde (g, c), Iago Fernández (bat, c) | ||||
Rivoli (PA) |
18.15 |
Encomenda a Daniel Sousa | Daniel Sousa (sa, voz), Susana Nunes (voz), Wanja Slavin (sa, f), PJ Fosssum (sint), José Diogo Martins (p), Carlos Borges (b-el), Eduardo Dias (bat) | ||
Miguel Ângelo «Dança dos Desastrados» |
Miguel Ângelo (ctb, c), João Guimarães (s), Joaquim Rodrigues (p), Marcos Cavaleiro (bat) | ||||
Rivoli (GA) |
21.30 |
Alfred Vogel «Nest» |
Alfred Vogel (bat), Theo Ceccaldi (v), Felix Hauptman (p), Chris Dahlgren (ctb), Leif Berger (bat) | ||
António Loureiro «Conexão» |
António Loureiro (p, tec, c), André Fernandes (g-el), João Mortágua (s), Gil Silva (trb), José Carlos Barbosa (ctb), Diogo Alexandre (bat) |